A magia do Continente africano...

19 december 2008
Uma bela tarde de marco deste ano, eis que eu desembarcava em Kigali, a capital rwandesa. Com o intuito único de ficar cara a cara com um ex- prisioneiro do genocídio de Rwanda. Pierre, 56 anos(aparentando 70) desdentado, de chinelas no dedo e vivendo diante de córregos e sem saneamento básico na área mais pobre de Kigali.
As ruas esburacadas e criancas brincando diante de um esgoto fétido foram o portao para eu penetrar no mundo de um algoz do genocídio. Se é que podemos classificá-lo assim... O calor fazia o suor descer pelo meu rosto. Uma sofreguidao me acompanhava, um pueril excitamento de quem vai em busca de um chefe de gangue. A impressao que tive no hotel foi essa. Mas o quer vivi naquela tarde, nao se compara a isso. O que vi diante de mim foi um homem movido a nenhum remorso pelo que fez. Apaixonado pelo país de suas raízes, que rejeitou qualquer ajuda internacional para se refugiar em outros mundos.
Competition :Wodaabé man



SABE POR QUÊ OS HOMENS DO NIGER FAZEM ISSO E QUANDO?NA TRIBO WODAABÉ..OS HOMENS PRECISAM COMPETIR PARA COMQUISTAR UMA ESPOSA. ENQUANTO OCORRE A COMPETICAO, CADA HOMEM USA ESSAS PINTURAS NO ROSTO. O cheiro e as cores do Niger sao impressionantes. Um dos países mais impressionates da África.

O céu de Kigali o encanta. O cheiro da comida africana, as cores do tambor em dias de festa...As roupas bem cuidadas de mulheres que pouco ou nada têm para comer. Encantamentos que valem toda uma vida. Depois de 4 horas juntos, o azul do céu pairava sobre nós e o sol se punha quando eu senti intimamente o quanto aquele homem tinha sido vítima. Vítima de seus costumes, história e fidelidade ao país. Um impulso o levou para o conflito. E quando ele abriu os olhos, já era um criminoso. Dezenas tinham morrido em suas maos. Perguntei se ele se sentia culpado. Ele me olha fixamente e disse: " o que nao se faz por nossas origens?"
"O saber deve ser como um rio, cujas águas doces, grossas, copiosas, transbordem do indivíduo, e se espraiem, estancando a sede dos outros. Sem um fim social o saber será a maior das futilidades".Gilberto Freire
Ao sair do barraco em que ele mora, andei 5 km de periferia. Ao passar por um casebre, me vi admirando uma mulher de pés no chao e o cantar de uma música em Inga-rwanda, a língua ruandesa. O cheiro entrava pelas minhas narinas e eu me senti hipnotizada. Ao me ver de câmera nas maos, ela sorriu e fez mencao que eu poderia entrar.

" Se depender de mim, nunca ficarei plenamente maduro nem nas idéias nem no estilo, mas sempre verde, incompleto, experimental".Gilberto Freire
A paixao que eu tenho pelo continente africano é fruto da sensacao que lá eu nasci, vivi e voltarei. Nao, especificamente, por um país. Mas pelo continente, em si. Andar pelas ruas de Porto Novo e ver um menino tendo um frango passado pelo corpo , como forma de que está entrando na fase adulta, me fez lembrar uma cerimônia religiosa do Norte Mocambicano.
Ficar diante do mar de Cape Town, de um azul que dói na vista é está diante do Rio de Janeiro. Mas...é muito mais que isso. Cape Town é o meu sonho. Lá, eu vivi os momentos mais belos de minha vida. Eu atingi o nirvana no continente africano.
"Uso palavras que denominarei intuitivas sem repelir as lógicas. As cotidianas sem repudiar as raras. As populares sem deformar as eruditas, as sensíveis sem repelir as abstratas".Gilberto Freire
O mágico se entrelaca dentro de mim e nao guerreia com o real. O chao pode ser sujo...mas é lá que eu me sinto em plena energia. Os temperos das comidas africanas däo sinal que meu estômago envelhece para poder provar os sabores que eu só tenho lá.O dancar em Lesedi, em Johanesburg, na África do Sul, me dá a certeza de que lá eu estou em casa. Nada no continente africano me assusta, nem dá nojo e nem me exclui. O negro, o branco, o amarelo. Cadfa um a seu modo faz de mim uma pessoa melhor.
Recentemente, me perguntaram se eu sou uma pessoa angustiada. Confesso que a única angústia que tenho na vida é nao poder fazer mais por eles. É nao poder viver na África, ainda. É nao estar lá todos os meses. É nao sentir o calor do chao africano. É nao poder sentar na porta de uma casa pobre mas cujo sorriso do dono me dá uma alegria sem fim. É nao ouvri os tambores tocarem e eu me itnegrar entre eles. É nao sentir o aroma das florestas africanas. É nao saber se alguma deles adoeceu ou se morreu.
No entanto...a África retirou de mim todo sentimento de posse, tristeza e materialismo. Depois das 8x lá, confesso que sou uma pessoa melhor. Hoje, sou menos irrasivel, exigente. Mas conservo sempre a certeza de que com dinheiro ou nao...vou está sempre falando a verdade. Sendo autêntica. Ter convivido com o africano...é...também...nao ter vergonha de falar de minhas fragilidades...por que nestas, eu também encontro a mágica sensacao de que eu estou sendo feliz assim...E nao foi comendo caviar que aprendi isso. Foi comendo vento e poeira nas estradas pedregosas do continente africano que eu me descobri que posso ser feliz com muito pouco.